Entrevista a um nome histórico da AFVC - Dr. Henrique da Mata, refundador da AFVC

No sentido de recordar a nossa História, as nossas origens e momentos mais marcantes, estamos na senda da realização de várias entrevistas que abordam o passado, o presente e também o futuro da AFVC, enquanto promotora do futebol e futsal local.

O primeiro nome que trazemos é o de Henrique da Mata, advogado vianense apaixonado pelo futebol e pela sua terra, que vive com emoção o que se passou e olha com entusiasmo o que por ai vem.

Primeiramente quero agradecer ao Dr. Henrique da Mata pela sua disponibilidade em partilhar algumas das suas memórias. A Associação de Futebol de Viana do Castelo é feita de homens de paixão, de perseverança carregados de uma boa dose de audácia, não desistindo de ideias e certezas de outros tempos e seguir sonhos. Da paixão pelo futebol e pela região do Alto Minho a AFVC nasce em 1923, lembrando que no Portugal da altura estávamos na 2ª edição do Campeonato de Portugal e o Sporting Clube de Portugal foi campeão nacional, sendo o 1º título do clube nacional. Em Viana do Castelo a paixão pelo futebol já estava materializada na existência de alguns clubes, como o caso do Sport Club Vianense nascido a 1898. A Associação de Futebol de Viana do Castelo (AFVC)  nasce a 1923 ficando a laborar no mesmo edifício da sede do Sport Clube Vianense. Falar na AFVC é falar de Dr. Henrique da Mata, homem que descobriu a paixão do futebol no meio da sua carreira profissional como advogado, e esta paixão nunca mais o deixou.

Henrique Rodrigues da Mata, nascido a 6 de Maio de 1936, natural de Vila Nova de Anha, Viana do Castelo. Frequentou os Liceus de Viana do Castelo e Braga, formando-se em Direito na Universidade de Coimbra. Com uma longa carreira dedicada à advocacia, integrou a Direção do Sport Clube Vianense (SC Vianense) em 1966, e refere que foi esta entrada para o mundo do futebol que o fez olhar para a sociedade de uma forma mais ativa, pois estava muito dedicado à advocacia. Estes primeiros anos da sua vida “futebolística” no S.C. Vianense, só aumentaram o seu gosto pelo mundo aliciante e apaixonante do futebol. Numa altura em o Futebol movia milhares de pessoas, lembra-se por exemplo dos 25 autocarros rumo a Chaves para ver jogar o SC Vianense e recorda ainda os cartazes que estavam espalhados pela cidade de Chaves: “a Rainha do Tâmega saúda a Princesa do Lima”.

Ao falar das memórias desses tempos, recorda também o amargo jogo a celebre “quase” subida de divisão do SC Vianense – que acabou por não acontecer – frente ao GD Riopele. As duas equipas estavam empatadas, quando o SC Vianense marca o golo que lhe dá vantagem, deu-se uma explosão de alegria e entrada em campo de alguns adeptos do Vianense a comemorar, o que desencadeou momentos de violência entre os jogadores do GD Riopele e alguns adeptos do SC Vianense. Após este episódio foi informado por parte do árbitro (Américo Camarinha) de que o jogo tinha terminado naquele momento alegando falta de segurança – o que não se verificava - tendo sido repetido mais tarde em Barcelos, terminando num empate. Foram feitos recursos jurídicos por parte da Direcção do clube em diversas instâncias relativa a esta decisão de anulação do primeiro jogo, mas não surtiram efeito e a subida de divisão do clube não aconteceu. Este acontecimento e o facto de ter sentido o desapoio por parte de vários meios e órgãos locais dessa altura, fez com que na sua última Assembleia Geral do clube tenha pedido a sua demissão.

Mas a sua paixão manteve-se e daí passou para outra “luta”, tornar realidade a refundação da AFVC. Existia uma falta de vontade e receio das pessoas da época, para quem a refundação de uma Associação autónoma – na altura os clubes do distrito de Viana do Castelo estavam integrados na Associação de Futebol de Braga (AFB) – era um passo que assustava a maioria pela falta de meios, falta de árbitros, poucos clubes, mas Henrique da Mata apostou em que era possível e que depois da AFVC voltar “à vida” esta iria ajudar a criar mais clubes e a aumentar a prática do futebol, não o contrário. Pediu ajuda de jornalistas como António Paço do Jornal de Notícias, Maurício Teixeira do Primeiro de Janeiro e de José Brito Lira colaborador do jornal A Bola. Recebeu apoio dos jornais locais como o Aurora do Lima e o Notícias de Viana. Também a políticos, em especial o Dr. António Brochado, para divulgar nas autarquias a prática do futebol. Para a formação de árbitros na região, contou com a ajuda de ex-árbitros locais. Com esta missão de fazer a AFVC ser a bandeira máxima do futebol distrital, conseguiu dessa forma concertada que nos 10 concelhos o futebol passasse a ser ensinado em vários locais, aumentando as camadas jovens e o número de praticantes. Relembra com entusiasmo as dificuldades em criar os estatutos, os órgãos, toda uma orgânica independente e que fosse autónoma do princípio ao fim.

O caminho era este e contra vozes de “não vai dar certo”, as vontades e esforços uniram-se e ressurgiu a AFVC. Em 7 de Julho de 1971 foi assim efetivada a refundação da AFVC. Foi com ele que surgiu a primeira sede em edifício autónomo na Rua Gago Coutinho, em Viana do Castelo, esse local foi cedido pelo Sr. António Junqueira Afonso, primeiro tesoureiro da AFVC.

Em menos de um ano a AFVC já tinha árbitros, clubes e uma organização que funcionava a todo o vapor. Após cerca de três anos a AFVC muda-se para a Praça da República, para instalações com maior capacidade física. Rapidamente a AFVC passou a ter cerca de 15 clubes e continuou a crescer até aos dias de hoje.

Dr. Henrique da Mata foi Presidente da Direcção da AFVC de 1971 a 1975. Tempos de pré e pós 25 de Abril em que “o ferver em pouca água” era bastante comum, recorda uma noite em 1975 em que vários manifestantes vieram para fora de sua casa por causa de um jogo de futebol. Acontecimentos deste género deixaram-no apreensivo de que mais ações deste carácter ou até mais intensas pudessem acontecer, assim sendo resolveu sair da Direcção passando mais tarde para a Presidência da Assembleia Geral da AFVC, cargo que ocupa há mais de 40 anos.

Nunca teve medo da chamada “perda de tempo” porque acreditava e acredita que com trabalho e dedicação e com uma boa dose de paixão tudo se consegue mesmo com poucas possibilidades.

O futebol feminino para Dr. Henrique da Mata é a “maravilha” do futebol, salientando ainda a importância da arbitragem feminina e reforçando a sua alta qualidade. O feminino no futebol é muito importante, animando as meninas a praticar desde cedo para que vejam o gosto pelo futebol e pelo futsal. Uma ideia muito feliz que se está agora a impulsionar! Realça também que o clubismo não deve vencer o futebol, deve vencer sim a ética, o respeito e o fair play. Ressalta ainda que a falta de apoio financeiro aos clubes, pode acabar por “matar” muitos sonhos, aliada a uma falta de interesse por parte da sociedade. Salienta que em outros países, o futebol é motivo de união, é o momento das famílias porque é um desporto para todos. Relembra por isso os velhos tempos em que o futebol era um momento em família, lembra-se bem de ver casais a “irem a pé atravessar a Ponte Eiffel para ver os jogos do SC Vianense". Lamenta profundamente que o futebol seja algumas vezes considerado um desporto inseguro, que afasta e amedronta as famílias.

O futebol é uma festa, um momento de alegria e superação quando se ganha e quando se perde, porque jogar é assim mesmo.

 

João Ferreira, um exemplo de associativismo

  • O seu longo percurso de apoio a enumeras causas

Continuamos na senda de recordar a nossa história, o nosso legado no tempo e no espaço. A AFVC conta nos dias de hoje, com nomes da sua refundação que ainda estão em actividade.

É o caso de João Ferreira, Vogal da Direção da AFVC e um dos homens da sua refundação. Apaixonado por futebol, que vibra com a nova vida da AFVC, em especial com o futebol feminino. Esta segunda entrevista recorda o que muitos de nós não imaginariam fazer parte da vida de um dirigente desportivo.

Muito agradecemos ao Sr. João Ferreira por toda a sua gentileza em conceder esta pequena entrevista.

João Lopes Araújo Ferreira, nasceu a 24 de Fevereiro de 1937, natural da freguesia de Ribeira, Ponte de Lima. Iniciou a sua vida profissional como Professor do Ensino Básico, durante cerca de uma década, posteriormente entrou para a vida bancária onde se manteve até à reforma. Apaixonado por futebol lembra ao longo da nossa conversa a forma “amadora”, mas ao mesmo tempo apaixonante como se viviam esses tempos. Era tudo muito à flor da pele e do pouco se fazia muito, em vários aspetos, isto aplicava-se muitos aos escassos recursos dos clubes e da própria Associação de Futebol de Viana do Castelo, lembrando ainda os tempos do antes e pós 25 de Abril de 1974 que influenciaram alguns aspetos da vida da AFVC. Atualmente é Vogal na Direção da AFVC.

Tal como muitos dos históricos nomes que fizeram parte da refundação da AFVC, João Ferreira tem histórias marcantes sobre tempos em que o Futebol era uma mistura quase explosiva, entre a vida fora e dentro do campo. Lembra-se por exemplo quando a Associação (ainda nas anteriores instalações da Praça da República de Viana do Castelo) ter sido invadida por um conjunto de adeptos descontentes, algo que se poderia muito bem associar aos momentos conturbados do Portugal dessa época revolucionária em que tudo se misturava um pouco. Este episódio deixou todos os que estavam presentes nas instalações com receio da sua própria integridade física, o que levou a uma demissão em bloco. Tempos em que a AFVC ficou sem atividade tendo depois sido recuperada e voltou às suas funções, tendo também João Ferreira feito parte dessa mesma refundação. Na Direcção estavam nomes como Dr. Henrique da Mata, Sr. Junqueira, Sr. Martins Vieira entre outros que também estavam na sua refundação.

Recorda a evolução e os diferentes momentos tais como as diferentes sedes da AFVC, onde esta nasceu em 14 de Janeiro de 1923, no rés-do-chão do edifício onde ficava também a sede do Sport Clube Vianense. Situação que levou a que muitas vezes houvesse uma ideia errada de uma “ligação” a este histórico clube do futebol nacional, o que acabou por acelerar a sua alteração para a segunda sede, na Rua Gago Coutinho em Viana do Castelo. Em seguida com a sua refundação e reestruturação em 1971, mudou para a Praça da República de Viana do Castelo. Essa reestruturação trouxe dificuldades, que também foram sentidas na criação dos novos estatutos, nos registos e lembra que: “com muito esforço e viagens a Lisboa, a AFVC voltou à vida e às suas funções de apoio ao Futebol distrital”.

Tempos em que os apoios eram quase nulos, a paixão pela modalidade fazia mover montanhas e andar quilómetros para ir ver ou jogar futebol. A AFVC na altura vivia de pequenas verbas, das inscrições dos jogadores, de multas que eram aplicadas e de uma comissão que existia nos bilhetes dos jogos, sendo que para isso tinha de haver um fiscal da AFVC que estava presente em cada jogo. Mas esta mesma função era também um dos motivos de problemática entre clubes e Associação, devido a queixas dos mais variados tipos. Posteriormente isso levou à eliminação desta comissão, tendo sido criada uma avença.

O Sr. João é o sócio número 4 do clube Associação Desportiva Os Limianos de Ponte de Lima, sendo um homem de apoio às mais diversas coletividades e tem na sua memória muito do que já considera “inimaginável” acontecer nos presentes dias. Recorda-se de ver passar autocarros que ainda funcionavam a gasogênio, que paravam várias vezes para poderem ser abastecidos. Os tempos em que jogadores de futebol se deslocavam em “carreiras” (autocarros) para os jogos, e quando havia algum atraso, os jogos também se atrasavam. Ou recorda os jogadores e adeptos que iam de bicicleta para os jogos, já que nada demovia a paixão de irem ver futebol.

A sua opinião sobre o crescimento do futebol feminino é entusiasta. Segundo o mesmo é “a solução” para um novo florescimento do desporto na região, e no país. Ao mesmo tempo que se deve incentivar o aumento da formação, estimulando as camadas mais jovens a praticarem, a cultivarem o gosto pela atividade desportiva. Sem nunca esquecer o aumento de adeptos a ver os jogos, mais uma vez com o imprescindível apoio das mulheres.

Um homem apaixonado por Futebol que vibra e se empolga com a evolução do mesmo, que sabe que novos e melhorados tempos viram e que acima de tudo, enaltece o desporto em detrimento do clubismo. Se todos fizermos o melhor, o resultado é o melhor para todos.

Em nome da AFVC, o nosso agradecimento por esta entrevista.

João Ferreira.pdf

8 de Fevereiro de 2019